Homens da tarde
Mário Ferreira dos SantosAlegou tantas razões e foi tão insistente que cedi. Reconheço, francamente, que este livro não precisaria de uma prévia explicação.
Mas, em consideração a esse amigo, cumpro a promessa e exponho, aqui, alguns dos pontos de vista aceitos por mim.
Ora, muita gente diz por estes brasis que romance que não focalize os problemas de ordem social-econômica é romance morto. Este não focaliza, propriamente, problemas de ordem econômica, mas problemas.
A diferença, na realidade, não é grande nem pequena, mas é a que vai da espécie ao gênero. Dirão alguns que me engano, porque os problemas do coração e do cérebro tiveram seu nascimento nas vísceras e nos sentidos. Poderei dizer que as razões que justificam tal afirmativa encerram apenas uma das nossas evidências práticas. É o caso daqueles três homens e a barba. Um não podia fazê-la diariamente como desejava; o outro, só podia fazê-la uma vez por semana, em vez de três como era o seu desejo; e o terceiro, praticamente, não podia fazer nenhuma, a não ser quando lhe emprestavam uma navalha, ou alguém, de pena, lhe pagava um barbeiro. Esses três homens viviam três tragédias. A miséria do primeiro era a fartura do segundo e a do segundo a fartura do terceiro. No entanto os três podiam, perfeitamente, esbravejar contra a ordem social e aos três assistiam razões poderosas e ponderosas.
Ora, eu diria que a tragédia desses três homens não estava na barba, ou na falta de dinheiro para pagá-la. Tudo isso era puro pretexto. A tragédia daqueles homens estava no cérebro. Cada um imaginava a felicidade do outro como a sua tragédia. Assim, esse problema é simplesmente uma questão de consciência de mais ou de menos. Sim, porque para mim a miséria está na consciência da necessidade. Senão vejamos: O homem feliz da lenda não tinha camisa. E ficou infeliz quando lhe fizeram compreender essa tragédia. “Mas como, você não tem camisa? E é feliz?!...”